Tomava um café preto. Quente. Forte. Amargo. Cada gole descia como uma certeza que era mordida aos poucos. Ressentida cada vez que o líquido encostava a língua. Era a verdade que precisava ouvir. E ouvia por dentro, passando direto para o estômago, de onde se espalhava pelo resto do corpo. Estava se fortificando, se entranhando. Acabou a pequena xícara com a sensação de que não faltava mais nada para aquela tarde. Era o fim. Ainda que não passasse das cinco.
Pagou e saiu. Nem passou pela cabeça continuar naquela cadeira os pequenos minutos que costumava ficar. Os minutos em que olhava o mundo pela janela redonda e juntava coragem para viver o resto do dia. Se levantou. Andou um pouco mais do que de costume. E mais devagar. As paradas de ônibus estavam vazias. A rua se movia. O vento estava bom. O barulho também. E tudo que vinha parecia passar, um dia sem nenhuma cerimônia. Um dia que não passava em branco, tão azul que estava o céu.
Andou até o final da avenida para pegar o ônibus. Vazio. Três pessoas tão normais. Com as vidas e os olhos virados pra fora do ônibus. Não os viu descer, não viu ninguém mais subir. Da cadeira do corredor, no fim do ônibus, sentia apenas aquele calor do café. Nos pés, nas orelhas, batatas das pernas. Seus olhos azuis, tão negros. As curvas no caminho de casa, tão retas. Chegou às quatro e dez.
Não ligou o computador. Também não telefonou para a mãe. Colocou aquele disco de Nara para tocar e foi tomar banho. Tanta leveza na voz. O peso das gotas e do café no estômago. O calor da água e do corpo. Não era mais o choro. O canto livre. Os azulejos brancos sem nenhum desenho divisível. Cortou a fumaça e o espelho. Deitou na cama como estava. Água negra e pesada. Liquidez. A luz no quarto acesa balançou seus olhos. A cabeça como pêndulo. Ponto.
Não viu a lua nascer naquele dia. Desaparecia de toda a tarde sua luz.
2 comentários:
Que lindo, Bob ^^
Eu sempre saio daqui encantada.
tenho a impressão que a gente escreve cada vez mais parecido =)
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