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3.2.10

vinho e canela

Rafa no canto dela. Conversava com alguém que eu não conhecia. Nem mesmo sabia como havia ido parar ali. Ao lado dela. No canto da nossa sala. Numa das almofadas vermelhas e brancas perto da janela. Ela conversava alegre. Parte culpa do vinho. A outra parte não sei se era a companhia, o ambiente. Ou a música. Ou da atmosfera. Estava na sua hora da madrugada, como ela diria se estivéssemos mais próximos. Ela tinha na mão um cigarro, que segurava com aparente displicência. O quinto ou sexto da noite. Ou pelo menos o quinto ou sexto que eu havia acendido. Rafa não acendia seus próprios cigarros. Normalmente confiava a mim essa tarefa. Acender e dar a primeira tragada. Aí fumava como se fosse estivesse fumando o mesmo cigarro há horas. Não sei se teria feito tal pedido ao companheiro desta noite.

Ela falava um pouco. Depois parava para ouvir. E enquanto ouvia, olhava para o sujeito como se ali na frente dela houvesse uma tela pontilhista. Admirava concentrada, como se fazendo os pontos se juntarem e se separarem. Uma dança de compor e desconstruir a imagem com os olhos. O cigarro ia à boca rapidamente. E depois fugia, como se o cigarro puxasse a mão, tentando durar mais tempo com ela.

Procuro meu vinho na mesa. Passeio os olhos na sala. Finjo prestar atenção às conversas em volta. As lembranças das férias de tempos atrás. Todos estranhos amigos. Poucos dos quais vi no último mês, mas com quem consigo conversar por horas sem problemas. Hoje é que não. Disfarço a desatenção e recolho as taças vazias. À cozinha. Taças na pia, para lavar amanhã, garrafas e rolhas separadas. Demoro com a cabeça na sala. Nas almofadas ao canto, perto da janela.

– Ei Roberto, vamo pra praia!
– Ã?!

Luiza chegou na cozinha e tomou meu lugar à frente da geladeira, queu mantinha aberta apenas para pensar. “A gente ta indo na praia. Bora.” Pegou duas garrafas de vinho e voltou pra sala. “Cê pega o saca-rolhas, Beto? Acho que ficou aí.” Chego na sala, saca-rolhas na mão. Rafa está na janela. Sozinha, em pé. A porta aberta, alguns já no corredor do prédio, outros terminando de pegar o que vão levar. Luiza grita de dentro do quarto vai pegar uma canga e sandálias emprestadas.

Vou à janela, pergunto se ela vem. Vira pra mim, tira o cigarro da boca. (Ainda o mesmo?) E me diz que não. Está cansada. Vai ficar.

– Teu amigo, já saiu?
– Quem? O Lucas?
– Sei lá que nome tem, nunca vi, aquele que tava aí..
– Foi no banheiro, mas acho que não vai querer ir com vocês não.
– Bora Beto! Vai ficar eim?!

Rafa achou melhor que eu fosse logo. Estaria bem.
Fui. Luiza era a única que ainda esperava em frente à porta. O elevador já havia descido com os outros. Fomos de escada. Ela tinha pressa. Eu ia com a ajuda de todos os santos. Cada degrau atraía meu pé com a força de um pólo oposto. E cada avanço era um esforço. Um fôlego. Cada passo, uma perda. Eu seguia porque pensava, e evitava voltar àquele canto de sala. As taças na mão pesavam. Querendo cair e quebrar. Eu segurava à força. Pra também ficar em pé. Até o fim da escada. Até a entrada. Até a calçada.

Enquanto alguns guardavam as coisas nos carros, “para adiantar a volta”, continuei andando. Agora sendo expulso daquele lugar. Sem olhar. Não pus a cabeça para cima. Não quis ver a janela ou as luzes acesas. As ruas vazias e as lâmpadas dos postes eram minha calma. Assim como o equilíbrio das taças. Uma curva à esquerda e uma quadra. Pouco mais de cem metros e estaríamos na praia. O barulho no silêncio da noite não negava.

Esperei pelos outros. Sentei o mais próximo do mar que pude, sem me afastar dos demais. Luiza sentou ao meu lado. Me tomou as taças das mãos e deixou na areia. Perguntou pelo abridor, depois passou a diante. Deitou. A cabeça no meu colo. Os braços na areia. A canga deixou para lá. Olhou pra cima, o rosto de lado. E falou dos nossos intensos e impossíveis namoros. Dela com as estrelas; meu com o mar.

Era o tipo de pessoa que não se podia ignorar. Pela alegria. Pela vida. Pela harmonia que tinha com ela. Luiza entendia a todos. A mim, mais que eu mesmo. E foi sempre assim. Nunca me dizia nada. Mas com os olhos me deixava saber que pensava. Por isso não olhei para baixo quando virou para mim. Iria deixar o mar balançar suas verdades. Queria que as mandasse embora. Que as levasse pra longe. Pro outro lado. E que só voltassem à praia quando as ondas também já me tivessem levado.

Ela continuou olhando. E falando das estrelas que via. Eu só fingi que escutava. Esquecido de qualquer astronomia que conhecesse. Me esforcei ouvir uma anedota qualquer e querer rir. Depois de ela levantada virei o corpo para a roda. Pegar uma taça de vinho e beber. Mesmo que não funcionasse, distrairia. A mim ou a Luiza. E afastaria a outra dali. Da luz acesa, vista pela janela aberta da sala. Que sabe não era isso o que faltava.

Horas passadas assim seriam antes bem-vindas. Quaisquer que fossem as condições. Hoje aquelas pessoas não eram as minhas, ainda que pensassem que eu fosse delas. As duas garrafas de vinho foram pouco para o grupo de sete. Mas ninguém quis voltar, buscar mais. Eu que não sugeri, aceitaria a proposta. Mas fiquei.

Dali para as cinco horas não demorou. O sol nos encontrou voltando no caminho por que viemos. Alguns quase dormindo. Outros cantando. Quase todos bêbados. Andando nas calçadas recém aquecidas pela manhã. Deixados todos em seus carros ou táxis, subi. Calçada, escada, porta de entrada. Cinco andares e casa.

Deixei a pequena bagunça para quando meu domingo acordasse. Banho e cama. E que o sono cuidasse de sossegar a cabeça que não parava. Mesmo depois de ver o canto da sala vazio. Sem sinal de seus habitantes naquela madrugada. Deixaria os olhos fecharem e esquecerem. E quem sabe com eles também o peito esqueceria mais essa vez.

Ouço a porta abrir. Abro os olhos aos poucos. A porta fecha. Ela quase cambaleia. Tira os sapatos no corredor. Passa a porta do quarto, aberta, e vai à janela. Estou de vez acordado. Rafa se aproxima e se senta no canto da cama. Massageias os pés e me deixa alisar suas costas. Abre a bolsa puxa um cigarro e o isqueiro. Acendo. Dou a primeira tragada. Seu cigarro tem sabor canela. Ela me beija e reclama não ter me pedido para acender mais um antes de sair para a praia.

– Passei a noite com vontade desse cigarro.

25.8.09

muda

ela só queria viver
sorrisos
pular os pés deitados no caminho

e o dia ver
arder
seu reflexo na pele

e a noite vir
colher
as sombras e os sons da alma

e a vida dar
amor
a um mundo novo

seu espelho

14.7.09

olha pra ela:

nega dourada
sambando de lado
esquecida do mundo

me chama com os braços
os lábios
o rebolado

me atiça o corpo todo
com esse balanço solto
do ombro e dos quadris

e se perde de mim
me deixa num canto
toma a festa toda pra ela

depois me volta cantando
um copo na mão
sorrindo, me olhando

eu não sei quem é ela,
nem sei o que quer
essa nega me aperta

me abraça, me leva
eu me acabo!
quero mais o quê?!

6.4.09

talita me veio encontrar
numa rua em que passava desatento
trazia no rosto, dessa vez,
o mais aberto dos sorrisos

me levou para casa
me falou da vida
e me abriu as pernas

como em outras noites
me recebeu no corpo
pela primeira vez
no sorriso

em nenhum me quis habitante

ela me abriu então a porta
(com o sorriso
já não sabia mais o que fazer)

não me disse até logo.
eu também em silêncio
lhe dei um beijo no rosto
e segui

talita não é pessoa de ser metade
eu não sou pessoa de ser um

talita e eu fazemos de conta

23.11.08

sinal fechado. o carro parou. entre a locadora e o lava-a-jato, ela olhou pros dois lados. olhou pra frente. depois das ruas, o mar. prédios altos e um céu teimosamente nublado entre eles. precisava fumar. cadê o cigarro. no porta luvas, não. na bolsa., embaixo do banco. puxa debaixo do banco para o colo. mexe e volta. pra quê diabos serve uma bolsa desse tamanho?! olhou pro semáforo. demora mais quando a gente tem pressa.

branco. um guardanapo amassado em forma de flor. besteiras dele. ainda ali. como os barquinhos, pássaros, aviões que fazia com todo pedaço de papel que encontrava. nota fiscal, panfleto, guardanapo. incrível como não podia controlar. uma mania absurda. abandonava qualquer conversa pras fazer as estúpidas dobraduras. e as deixava em todo lugar. na mesa do bar, nas janelas, no bolso da camisa.

uma buzina. o sinal está verde. larga a bolsa no colo. parte. dobra à esquerda e segue paralela à praia. outro sinal. agora, o cigarro. acende, abre a janela. pega a pequena flor. branca, amassada. a mão a segura do lado de fora. e depois solta. o carro anda, a flor pequena voa na fumaça cinza dos escapamentos.

17.9.08

vem cá

me olha bem no olho
daquele jeito nosso
que me faz pensar nas flores
do arranjo de mesa da tua sala de estar

chega mais perto
põe minha mão na tua
me puxa
daquele jeito solto
que quase deixa encostar teu pé no meu
e faz dançar a tua saia verde e a minha bermuda jeans

aí me abraça apertado
daquele jeito junto
com o corpo inclinado
e a cintura chamando minha mão a rodar

depois encosta tua cabeça na minha
do teu jeito de lado
que faz misturar a minha barba e o teu cabelo enrolados
e me mostra o teu pescoço a beijar

e empresta teu ouvido à minha boca
prela te contar um segredo
prele ouvir em palavra
o que teu corpo conhece em beijo

22.6.08

iam as duas assim
brincando sob as ondas que o vento desenha
uma após a outra se colocavam
enchiam-se dos brilhos de si mesmas
se deixavam pintar pela luz e pela sombra
ora uma, outra de volta
iam felizes, me trazendo sorrisos
deixando em mim um cheiro
e uma lembrança de beleza imensa

25.10.07

vinho

ela prende o fôlego e derrama o vinho
derruba o copo
derruba o corpo
tudo em volta se contorce
e ela cai

mancha a mesa, escorre pelo canto
pulsa em pingos
voando ao chão
o tinto corre
se liquefaz

o cheiro do álcool inebria
toda a sala
se embriaga
no ritmo de uma vaga
ela jazz

atura a fumaça e a luz do neon
anula a carne das veias
a garrafa cheia
de brilho e de vinho
se desfaz

sente o frio, sente a espinha
sente o atrito
em volta de si
sente um grito
e cai.

29.7.07

disseca

me leva pra tua chuva
me tira do eixo
despe a minha alma
e me tira o freio

me tira dessa dimensão
preu poder entender

traduz a minha voz,
meus movimentos
me mostra, de uma só vez,
mil sentimentos

me deixa ouvir teu samba
preu poder entender

então me toma pelo braço
me eleva
alto, e mais alto
me atravessa

me deixa ver o teu sol
preu poder entender

28.3.07

Sofia era uma borboleta

Sofia brincava comigo
Se fingia
Se abria em asas
pra se fechar em risos

Sofia não falava nada
Só me atiçava
Apertava os olhos e o umbigo
e se ia.

21.10.06

aos poucos

Toda aquela densidade
Toda aquela gravidade
E toda a solicitude
São só a luz refletida

No vazio do espelho.

Todo aquele jazz antigo
Que ela ouvia por todo o tempo
Não era mais que miragem
Para entretê-la na frente

Do espaço do espelho.

Seus olhos fundos e fixos
Naquela teia de texturas
Que a envolvia lentamente
Entre as nuvens que se escondem

No verso do espelho.

http://www.flickr.com/photos/vertigem/272372305/

30.1.06

"_____"

Queria construir um castelo de areia
no jardim da sua janela.
Pra ela poder admirar sentada
no seu banquinho de quimera,
que fica ao pé daquela árvore.

Queria ouvir o silêncio do seu sorriso
quando ela visse a minha sombra
para além do sol.

Queria ver ela dançando
naquele belanço sem cordas.
Queria ver ela chorando,
queria ver ela voar.

1.12.05

por incrível que pareça
pode ser que ainda ela estremeça
ao ouvir o mais simples elogio que ele teça
a respeito de sua tão óbvia beleza
pois talvez a única coisa que ela deseja
é que ele apareça
porque quando ele a beija
não importa que amanheça
ou que ele anoiteça
e tantofaz que ela simplesmente seja
enquanto ele talvez apenas esteja
contanto que pra ela
tudo desapareça
e só ele permaneça
continue a tocá-la com aquela fina firmeza
pra que ela se aqueça
pra que ela se esqueça
sem nem perceber a destreza
com que ele apaga sua tão forte certeza
de manter a antiga promessa
de não voltar..

brincando com riams parecidas..